Cascais
Transcrevo
o artigo seguinte cujo autor é José Vegar, que subscrevo.
Cascais
(Note-se que as fotos escolhidas são apenas para identificar o contrário do teor do artigo).
Creio,
que peca por considerar apenas a Costa Vicentina porque toda a nossa zona
costeira está em perigo, por motivos de ordem diversa, nomeadamente, através de
construções sem planeamento em incumprimento da lei, e a falta ou recuperação
tardia das estruturas levadas pela força do inverno, no Inverno.
Incompreensível
é realmente a incompatibilidade que existe entre alguns seres humanos e a
natureza, tal como, vem nitidamente representado no texto que transcrevo e a
inercia das autoridades competentes.
«A Costa Vicentina,
provavelmente o mais extraordinário paraíso natural costeiro da
Europa, caminha para a destruição. Há alguns dias atrás, cumprindo a
peregrinação anual que faço há quase vinte anos ao território,
que vai de Odeceixe a Sagres, o que vi, não me surpreendendo, deixou - me, mais
uma vez, profundamente irritado. Gostaria primeiro de partilhar alguns sinais,
aparentemente dispersos, mas na verdade
todos testemunhos pertencentes a uma realidade em movimento,
para depois dar algum contributo para uma discussão que devia existir, ou que
existe permanentemente de modo totalmente ineficaz. Nos parques de
estacionamento urbanos de Aljezur, Carrapateira, Bordeira e Vila do Bispo, bem
como nas ruas, nas dunas e nas praias, o campismo selvagem, e a pernoita
selvagem nos carros, com o inevitável lançamento de urina, excrementos e lixo
para o chão, é uma constante. As autocaravanas estacionam nos lugares onde é
proibido faze - lo. Os acessos às praias não têm um modelo comum, ou são de
terra, ou são de alcatrão, ou, mais estranho ainda, são de alcatrão e terra, na
mesma estrada. Os cafés e bares de praia, ou não existem, ou são totalmente
precários. Em muitos dos recantos isolados da faixa costeira, nascem "surf
camps", "surf lodges" e semelhantes, que, sob a capa de
alojamento ecológico e genuíno, são na verdade estruturas precárias destinadas
a ganhar uns euros rápidos. As praias são territórios de confronto silencioso
entre dezenas de micro escolas de surf, e veraneantes comuns. Algumas das
escolas de surf surgem directa e diariamente de Espanha, explorando de graça um
recurso valioso português. Toda a economia hoteleira, hotéis, turismos rurais,
casas particulares, quartos, pensões, supermercados, restaurantes, cafés,
aposta numa especulação absurda. Uma casa para seis pessoas custa 1500 euros
por semana, duas pessoas não conseguem comer sopa, tosta e água por menos de 25
euros. O preço da fruta e dos legumes nos mercados e nos supermercados é
absurdo de caro. A esmagadora maioria da oferta hoteleira e de diversão,
dos turismos rurais às escolas de surf, é paralela, isto é não passa
recibo e não paga impostos, apesar de todos os nativos, a começarem pelos
funcionários das edilidades, saberem quem são os agentes económicos. Todo o
território vive debaixo de um mítico manto de "terra de fronteira, terra
sem Lei", o que é uma ideia poética, mas na verdade permite a
instalação e acção sem sobressalto de indivíduos e entidades, de seitas
místicas a especuladores económicos, que nada trazem de bom para o lugar que os
acolhe. No meio disto tudo, os nativos e adotados sérios que por ali habitam, e
são muitos, desesperam. O que levou a este caos contínuo e sempre em crescendo
ao longo dos anos é extremamente simples. Com algumas excepções, os locais
querem implantar o modelo "algarve", isto é densidade imobiliária sem
limites, porque acreditam que este é o único modo de ganharem dinheiro "a
sério". O Estado central não abdica do estatuto de "parque
natural" fixado ao território, mas nada faz para o tornar dinâmico. Ou seja,
nunca houve, e não há, um plano estratégico sério e realista para instalar no
território um turismo sustentável, alternativo, cativante. A isto junta - se a
esquizofrenia e limitação contínuas das edilidades, eternamente divididas entre
a procura de receitas e o cumprimento das leis próprias de um parque natural, e
uma população local que ainda não se libertou do estigma de pertencer a uma das
zonas mais remotas e esquecidas de Portugal. O que daqui resulta é um cenário
muito português. Vai -se andando, jogando a todo o momento ao gato e ao rato,
dando uma licença aqui, multando ali, fechando os olhos lá ao fundo porque as
pessoas precisam de ganhar a vida, fazendo umas operações "stop" com
a GNR que pouco detectam. Todos sabemos que a continuar a ser construído assim
o caminho da Costa Vicentina é a destruição lenta. O que é extremamente triste
e cruel, porque todos sabemos também que este é o território que poderia ser
uma bandeira nacional espantosa para o mercado interno e externo. Um lugar onde
todos nos sentíssemos orgulhosos e felizes».
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